HOME

>

Maternidade

>

A caixinha dos afetos

Maternidade

A caixinha dos afetos

2 Janeiro 2016


afetos

 

 

Haverá pessoa no mundo que nunca abrira uma caixa? Haverá pessoa no mundo que não tenha uma caixa? As caixas guardam a vida lá dentro. A minha…e a tua também. As memórias ficam sempre arrumadas em caixinhas. E os afetos também. E quando as abrimos, ou fechamos, há sentimentos, imagens, lembranças, encontros e cheiros que estão sempre lá. Guardados, ou melhor, religiosamente guardados em caixinhas.

 

Quando entrava na casa da avó Esterinha (que me pareceu sempre uma casinha de bonecas), os cheiros saíam das caixas e invadiam-me a alma. Da caixa da tampa preta com estampado de azulejo saía o cheiro do café. O seu gosto ficou para sempre no meu paladar. Arábica ternura. Da caixa de tampa encarnada saíam bolachas, redondas, achatadas e de forte sabor a limão, que avó comprava na praça à D. Maria do Carmo, que tinha uma fábrica de bolos (e ainda tem) e onde toda a gente ia comprar bolos partidos com as moedas que saltavam no saquinho do Pão por Deus. Hoje sei que as bolachas de limão se chamam “Esquecidos”… e eu recordo-as com tanta saudade. Ah!…também havia a caixa do chá. Fins de tarde de outono guardados em saquetas e arrumadinhos por ordem alfabética: camomila, cidreira, chá príncipe, hortelã, Lúcia-lima… A chávena estava sempre a escaldar. E o coração da avó também. A caixa verde era a das molas. Estendiam a roupa e estendiam-me a tarde de brincadeira entretida entre as construções com molas e o som dos ponteiro do relógio que compassadamente se apressavam a anunciar a chegada do avô, que trazia sempre da taberna rebuçados do Dr. Bayard e que, curiosamente, também tinham uma caixinha à sua espera. A caixa de costura, essa, era um mundo encantado de cores, de formas, de linhas e…de cheiro  – Alfazema – TODAS AS CAIXAS DE COSTURA CHEIRAM A ALFAZEMA . A caixa dos botões perdia-se de amores pela caixa das linhas. A caixa das agulhas esperava ansiosamente que uma cor do carril lhe piscasse o olho. Arrumadas sempre nos mesmos lugares, estavam a caixa das moedas, a caixa das fotografias, a caixa das ferramentas, a caixa das joias (perdidas), onde havia sempre um brinco sem par! … e a caixa dos medicamentos, onde eu nunca podia mexer.  Mas à caixinha de música podia sempre dar corda, repetidamente. E o meu olhar ficava esquecido no movimento ondulante das bailarinas que nunca se cansavam de dançar. E eu de olhar!…tarari, tarará, tarátiri tirari (…).

 

Ainda hoje tenho paixão por caixas e perco o meu olhar a vê-las nas montras das lojas. A magia das caixas. As cores das caixas. As formas das caixas. As surpresas. Os segredos. Os mistérios. O que guardam. Por isso arranjei uma. A minha. A minha caixa. A caixinha dos afetos. E todos podem ter uma. Aliás acho que todos já têm!

 

 

Clara Castela

Educadora de Infância